sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Meu quarto é amarelo

O meu quarto é amarelo por que eu quis assim.
- Ai que mau gosto.
Queria saber onde está a bíblia dos bons gostos. Adoraria tê-la, quem sabe assim as pessoas notariam menos o meu “mau gosto”.
Meus CDs. Todos velharias. É o que vivem repetindo.
- Que mau gosto.
- Você não acha que mistura muitas cores?- ouvi de um semi-conhecido.
Se eu tivesse um controle de televisão mágico, apertaria “mute” para a maior parte das pessoas ao meu redor. Eles vivem me tirando do meu mundo, e dizendo que ele não se encaixa ao mundo padrão. Eles vivem palpitando sobre o meu eu e meu universo sem mesmo perguntarem se eu quero saber. Sinto-me o tempo todo despertencente ( e eu falo a palavra que eu quiser) de qualquer assunto ou situação.
E assim, calei-me.
- Como você é quieta.
Tenho preguiça de falar com a maior parte das pessoas. Elas vivem querendo que você fale algo com assunto, conteúdo relevância e segurança e eu simplesmente não tenho e não sei o que falar e, caso eu falei, algo de errado vai haver.
Mas não consigo conter os pensamentos. Se eu conseguisse, talvez meditaria. Mas não. Eles ficam aqui, retrucando todos os sons que entram no meu ouvido e opinando sobre tudo que vê. Isso me cansa. Se tivesse um controle remoto mágico, apertaria o “pause” de vez em quando...
Isso tudo pra dizer que eu voltei. E claro que já me disseram:
- Mas você não tem escrito mais.
(Sorriso blasé. Meu)
Talvez por que eu não quisesse falar, nem escrever. Talvez por que eu estivesse tentando praticar o silêncio escrito e falado. E consegui. Mas o mental não. Ficou aqui, mais forte do que nunca, até o ponto de eu perceber que ele só se equilibra se eu escrever e, portanto, a minha meditação é a escrita. A fala não sei pra que serve, mas está aí...
De qualquer maneira, cheguei. Volto a escrever contos semi-reais-nada-reais.
Aproveitem, por que eu sempre aproveito.

sábado, 6 de novembro de 2010

festival das luzes


Hoje é feriado de Diwali. Ontem também o foi. E amanhã, as pessoas continuarão a comemorar o tal Diwali. É o momento de comprar roupas novas e estreá-las, de compartir comida e principalmente de soltar todos os fogos de artifício que encontrar pela frente: Diwali é o caminho para a luz, a vitória do bem sobre o mal dentro de cada ser humano, já que foi nesse período do ano que aconteceu o assassinato de Narakasura, representante da categoria “malvados” na história do hinduísmo, do budismo do silkhismo ...deve ter muita gente soltando rojões neste final de semana.
O garçom do hotel me perguntou o que eu iria fazer no festival de Diwali.
- Trabalhar, ué.
Ele ficou perplexo. Era o momento de eu caminhar em direção à luz e comemorar as mudanças em mim que tinham me levado para um bom caminho, não trabalhar. Incentivou-me a comprar rojões e estourá-los em frente ao hotel.
- E você, o que vai fazer?
- Bom, eu vou trabalhar.- sorriu-me, nada contente.
Ele estava certo, realmente eu não trabalhei na sexta feira. Não porque eu não quisesse, mas por que ninguém que trabalha comigo foi trabalhar. Então, eu e meu querido companheiro de trabalho fomos dar umas voltas pela índia-sem-calçada. Fomos até o lago do Buda, demos a volta inteira, passando pelas favelas, pelos lixos, pelos condomínios de luxo, por muitas vacas sagradas e perdendo-nos no meio de uma comunidade Hindu. Veja, se você é estranho no meio das grandes avenidas, você não tem idéia de como será estranho no meio de uma comunidade, passando pelas casinhas. Fiquei assustada mesmo ao ver o rosto das pobres criancinhas ao me virem. Elas brincavam imersas nas suas fantasias e quando eu passava, era como se alguém tivesse jogado um balde de água fria em suas cabeças: arregalavam seus olhos como se tivessem visto um fantasma.
Depois de um mergulho antropológico pelas ruas de Hydrebad, voltei para o Hotel para finalizar meu fim-de-tarde com um tradicional chai, cujo meu corpo não teve nenhuma resistência, substituindo completamente o café. E, ao desaparecer do sol, eu estava em companhia do mesmo garçom que me perguntara o que eu faria no festival de Diwali, decepcionadíssimo por eu não ter comprado fogos.Estávamos conversando quando, De repente, a cidade inteirinha começou a acender suas bombinhas e foguetes e luzinhas e rojões e fogos e, por instantes, achei que esse povo ia explodir essa cidade. Mas não. Fui correndo às ruas ver aquela gente correr atrás de sua luz, todos reunidos num único sorriso indiano (que nunca vi nada igual) iluminando a cidade com sua alma. Era o festival das luzes.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Desejar


Sentada nesta sala de chão de granito claro, vendo todas essas cadeirinhas vermelhas vazias apontando para mim, me dá uma certa melancolia. Faz três semanas que estou aqui, tentando passar toda a informação necessárias para esses treinandos que a cada dia de treinamento vêm até mim dizer a sua gratidão por todo o conhecimento que divido com eles. Nunca tinha sentido a gratidão, nunca tinha a visto de uma maneira tão transparente e honesta.
Um dia qualquer da semana passada, os investidores internacionais deste projeto vieram se despedir de mim, já que iriam embora da Índia.
- Antes de ir, queremos abençoar você.
Claro, por que não? Eu não sou nada religiosa, não me prendo a nenhum conceito de deus e acho isso bom, por que eu consigo abraçar todas as crenças, tentar entendê-las sem preconceitos. Mas isso também é ruim por que eu não tenho uma fé definida e não tenho apoio ou parâmetros para algumas situações dolorosas. Enfim, cada um com suas escolhas...
Então, eles me trouxeram para dentro da sala que eu dou treinamento com todos os meus treinandos dentro, e me fizeram ajoelhar. Fazia muito tempo que eu não ajoelhava em subserviência a alguma situação respeitosa. Muito tempo. Dois deles colocaram suas mãos em meus ombros, um deles na minha cabeça, e tiraram de dentro do bolso um frasco de óleo que disseram ser de diversas regiões do mundo, todos misturados. Eles costumam abençoar os empreendedores e missionários que se lançam em diferentes países para tentar melhorar a qualidade de vida de um povo, seja através de um trabalho sustentável, utilizando recursos da comunidade local, seja através de informação, enfim...Fizeram-me fechar os olhos e rogaram zilhões de coisas bonitas para mim, desejando que em todos os lugares que eu passasse que eu fizesse alguma diferença e que meu caminho estivesse livre de empecilhos, etc, etc,e tc. Depois desejaram que eu percorresse o mundo para compartilhar o meu coração bom. Não sei exatamente o que disseram, não consigo me lembrar de tudo. Apenas sei que a sala ficou em silêncio e todos os meus 25 treinandos de olhos fechados desejando fortemente coisas boas para mim. Foi algo muito forte, emocionante.
Agora estamos chegando ao final do treinamento e as lojas começam a operar em 2 dias. Ainda temos alguns desafios de materiais para encontrar. Tivemos muitos problemas com o governo local, parece-me que tem pouca gente capacitada trabalhando na aduaneira...ou talvez muita gente corrupta. E por falar nisso, o PT está novamente aí...não que eu ache que o PSDB fosse mudar muita coisa, mas brasileiro sendo conivente com corrupção e não alternando governo é triste...Eu desejei muito que todo mundo tivesse votado nulo, mas não deu certo. Desejar apenas não te leva ao objeto desejado...é preciso sangrar.

domingo, 24 de outubro de 2010

Fazendo a diferença


É inefável a sensação de uma cultura diferente. Obviamente não posso dizer que exista uma cultura melhor ou pior que outra, mas há hábitos que aqui vejo que devo levar comigo, assim como devo ensinar alguma coisa que considero que faça a vida deles aqui melhor.
Quando eles viram a sacolinha de lixo que deve ser colocada dentro do carro do cliente após a lavagem, me perguntaram o que era aquilo. Não conseguiam compreender sua utilidade, e riam quando contei para que servia. Questionaram-me dizendo que os nossos clientes não vão entender o que é aquilo. Previ uma mudança de cultura. Disse a eles que não fazia parte dos nossos valores atirar o lixo pela janela do carro e aí talvez eu tenha ido longe demais falando muito tempo sobre a importância da conservação do meio ambiente, da defesa dos direitos humanos e tudo mais que tange a sustentabilidade. Eles me olhavam com sede de informação, com vontade de aprender, com humildade suficiente para me ouvir mesmo sabendo que, a princípio, aquilo não fazia sentido algum para eles. Isso foi muito bonito: a maneira como eles estão abertos para novos conceitos. Ao final da conversa, eles estavam totalmente convencidos da utilidade de um simples saco de lixo e totalmente engajados em tentar convencer nossos clientes a usarem. Mas não parou aí. Ao longo dos dias, a sujeira diminuiu, os cestos de lixo do prédio aumentaram e eles me disseram que estão fazendo isso na casa deles também. Fazer a diferença depende de cada um de nós. E eu que achei que isso era apenas uma frase feita...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Quando achamos que sabemos algo, só vimos a ponta do icebergue...


Não sei como aconteceu, mas estou aprendendo a língua local, o telugu. Entendo grande parte das coisas e posso me comunicar um pouco. De hindi, não sei nada ainda...
Deixo para contar sobre o casamento depois, estou cansada, mas gostaria de deixar uma foto para vocês: meus "alunos" e futuros gerentes, treinadores e supervisores da DryWash. Se eles soubessem que eu aprendo mais com eles que eles comigo, saberiam quem é a real aluna desta situação...

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Um- sem ordem.


Hoje é dia de Dasara, uma das deusas hindus que se preocupam com os princípios femininos. As ruas estavam repletas de flores,doces e sapatos, já que é preciso descalçar-se para entrar nos templos. Caminhei sem um destino certo por avenidas que mesclam arquiteturas islâmicas, românticas e o que chamei de “beira de estrada”. Aqui não tem calçada, as pessoas urinam na rua e as lojinhas de vendas são todas improvisadas com ferros e letreros mal pintados. Ao entrar no templo, uma moça mergulhou seu dedo em um recipiente de pó vermelho e marcou a minha testa com um círculo que chamam “terceiro olho” para enxergarmos com a alma as situações do dia a dia, atiçando nossa sensibilidade. O responsável pelo culto colocou água, açúcar em minhas mãos e ordenou que eu tomasse. Depois me passou algo na cabeça e eu fui embora feliz, sentindo que já tinha feito a minha primeira inserção na cultura indiana do dia.
Faz quase uma semana que estou aqui e ainda não consegui me acostumar muito bem com o trânsito. Fiquei sem comprar um batom hidratante pros lábios por dias, por que não tinha coragem de atravessar a rua. Minha pele descasca. A água daqui contém muito sal e é inevitável que a pele branca sofra muito com o ressecamento. Mas tudo aqui fica fácil quando o indiano te estende a mão para ajudar. E aqui, eles andam de mãos estendidas...vendo minha agonia por não encontrar uma simples manteiga de cacau, meus treinandos fizeram, sem eu saber, uma busca pelo batom e o encontraram. Por falta de um, ganhei dois.
Acordo cedo, trabalho muito e quando volto, já sem muita energia, trabalho mais respondendo emails do Brasil, mas quando desço para jantar, só de ver o sorriso dos garçons e a vontade deles em que eu encontre uma comida que me satisfaça, com pouca pimenta, me ajuda a reenergizar.
Aqui eu sou uma estranha. Saio na rua e todos olham para mim de uma maneira curiosa. Não sei o que eles pensam. Sei que hoje eu fui visitar um Forte Islâmico muito bonito. Eu estava de regata, mas com um lenço de furinhos cobrindo os ombros. Mesmo assim, as pessoas que me acompanhavam tiveram que colocar outro lenço em mim. Aqui não se pode mostrar os ombros, principalmente em região com muitos homens, como a que fui hoje. Por onde eu passo as pessoas reparam em mim, tiram foto de mim e algumas tem a ousadia de pedir para tirar foto comigo. Os locais dizem que eles se encantam pela minha cor, branca. Chego a ficar constrangida na rua e é impossível eu andar desacompanhada.

Ontem saí pela noite. Fui a um concerto de piano onde tocaram e cantaram um trecho de uma ópera alemã que não me lembro o nome agora. E eu tenho que confessar que apesar de ser fria para muitas coisas, eu choro quando ouço uma boa música. Difícil é explicar isso para o indiano que me acompanhava....
Depois fui para uma festa latina, com salsa e cheguei no hotel sem sono. Ao passear pelos corredores vi um salão de festa e abria porta. Era um casamento, à indiana...óbvio que ao me verem logo me convidaram para entrar e participar da festa, mas isso eu conto depois, por que são quase uma da manhã e amanhã é um dia inteirinho de treinamento...a inauguração da DryWash está chegando e eles tem muito que aprender ainda. Como é difícil estar aqui, mas como é fácil estar aqui...

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Marco Zero

Eleições, acusações e defesas de governos corruptos, denúncias de lixos sendo jogados em locais inapropriados, caos do trânsito e uma longa seção de esportes com destaque para o cricket. Essas eram as matérias predominantes do Times India de hoje. Nem pareceu que mesmo depois de 30 horas de viagem , eu estava num local que não fosse o Brasil, com exceção da substituição do futebol pelo cricket. Mas bastou ligar a televisão e, ao passar os canais, me deparar com o Pica Pau falando Telugu,” Barrados no Baile” falando híndi e uma televisão local reportando notícias num inglês. Não o inglês- inglês aprendido nas salas da Cultura Inglesa, um inglês-indiano em que não apenas a pronúncia é outra, mas o repertório de palavras também o é.
No colégio, acho que lá pela terceira série, quando aprendemos a utilização da crase, o livro de português nos apresenta um exemplo trivial: “à francesa”. Oras, aos nove anos é muito difícil uma criança entender o que isso significa. Eu, por exemplo, apenas decorava o modelo do livro que queria dizer “à moda francesa”. Achava que aquilo tinha algo relacionado com a roupa e assim ficou guardado na minha memória por algum tempo, quando a experiência substituiu a memorização irracional por emotiva, e eu pude perfeitamente entender o porquê da crase. Este blog nada mais é do que a expressão do que aqui chamam de alma, de essência, obviamente distorcidas pela ação do que aqui chamam de corpo, à indiana, já que toda minha percepção será submetida a outro ponto de vista, desde a Índia. Não apenas um “eu à Indiana’ ou uma empresa “à indiana”, mas sobretudo um eu à indiana que jamais voltará a ser quem era, mas jamais será indiano. Enfim, um mix de experiências que usam da diversidade para se tornarem interessantes.
Ao final da leitura bastante familiar do jornal, havia uma matéria de Gupta que copio abaixo que ajuda a explicar por que estou aqui de uma maneira indiana.
“ If there is one thing equally sought by all, it is happiness. All beings constantly endeavor to seek more happiness through new means of comfort. Science, religion and spirituality all aim at marking human beings happier and, therefore, these are not contradictory paths that are loggerheads with one another. The three paths are complimentary being the essential attributes of three dimensions of human existence relation body, mind and soul.”
O que dizem os hindus, também pode ter sido dito por Platão, Freud, e tantos outros pensadores de uma outra maneira. É, não é apenas coincidência que algumas coisas se assemelhem ao Brasil, é simplesmente por que somos todos demasiadamente humanos e de uma maneira ou de outra somos semelhantes tanto na estrutura de raciocínio e nossos feitos como na nossa natural corrupção...